quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A mistura perigosa entre fama e dinheiro

Karine Figueiredo, Maria Luiza Mattar e Thaís Paiva

O caso do jogador que teve repercussão nacional agora é analisado sobre aspectos psicológicos e jurídicos


O ex-goleiro do Flamengo, Bruno Fernandes, é acusado de estar envolvido na morte da modelo, Eliza Samudio, supostamente assassinada no dia 9 de junho deste ano. O caso teve repercussão em todo o país pelo fato do jogador ser conhecido pela grande carreira no futebol.

Muito se discute sobre esse acontecimento e um dos motivos do possível crime é a mistura perigosa de fama, sucesso e dinheiro, principalmente entre aqueles que são mais humildes. Bruno foi criado pela avó materna, Estela Santana Trigueiro de Souza, na periferia de Belo Horizonte, após ser abandonado pela mãe, com três dias de vida. Portanto, ele faz parte de jogadores e celebridades que enfrentam dificuldades para se adaptar a uma grande mudança de status social e econômico.

O professor de Filosofia, Luiz Henrique Magalhães, afirma que o fato de Bruno ser de origem humilde não é determinante para um comportamento fora dos padrões da sociedade. “Acho que a questão do afeto que recebemos nos primeiros anos de vida e a estrutura familiar é muito mais significativo. O homem é um ser de liberdade e o comportamento dele não deriva exclusivamente de um único fator.”

Eliza Samudio, também com pouca estrutura familiar, utilizou da fama de Bruno para ameaçá-lo e acabar com a carreira do goleiro. Isso aconteceria com a ajuda da imprensa, pois ela constantemente afirmava que o jogador não queria assumir a paternidade e que ainda a ameaçava após saber da gravidez. Essas acusações e a possível morte da moça provocaram uma imagem poluída de Bruno. O modo como Eliza teria sido executada, de acordo com as investigações, chocou a população. Após ter ficado, supostamente, presa vários dias no sítio do atleta, a modelo teria sido estrangulada e o corpo dela cortado em pedaços. Além disso, pertences da modelo foram queimados, na tentativa de ocultar vestígios. As pessoas não acreditaram e, talvez ainda não acreditam, que tal crime seja verdade, uma vez que o fato relembra histórias de ficção.

A psicóloga Júnia Crivellari explica que, o fato de a pessoa se tornar uma figura popular, aflora o pensamento megalomaníaco, ou seja, o indivíduo se considera acima do bem e do mal, fazendo com que perca o sentido da convivência em sociedade. Esse pensamento é evitado quando a pessoa tem um preparo emocional para a fama e o poder financeiro que vai adquirir no futuro, o que não aconteceu com Bruno.

Quanto ao fato de possivelmente o goleiro cometer tal crime para evitar problemas futuros e não perder a carreira e a fama, a psicóloga acha que ele não mediu as consequências. “Talvez até por ser uma pessoa famosa, ele acreditou na impunidade”. O desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Wanderley Salgado de Paiva concorda, ao ser questionado sobre os julgamentos com pessoas comuns e de destaque na mídia. “O juiz não pode fazer diferenciação, pois vale a máxima de que todos são iguais perante a lei”.

Outro problema discutido sobre o caso Bruno foi a amizade que mantinha, capaz de influenciar o jogador e o fazer cometer atos inconsequentes. De acordo com a psicóloga Júnia, as amizades podem realmente influenciar um famoso, ou qualquer outro indivíduo. Na história, há oito suspeitos, entre eles, a mulher e a amante do jogador. O atleta possuía laços tão fortes, que todos foram envolvidos no possível crime. Mas o amigo de mais destaque foi Luiz Henrique, conhecido como Macarrão. Ele, inclusive, fez uma tatuagem em homenagem a afeição dos dois. Porém, segundo a psicóloga, o que determina estes atos criminosos não é só o fato de ser famoso ou as amizades que possui, mas a estrutura e personalidade do sujeito.

O professor de Filosofia ressalta que quando alguém chega a uma situação de destaque e fama, aqueles que viveram com ele até então passam a participar dessa realidade, o que pode gerar amizades por interesses. “A auto-imagem que a pessoa tem, nesse caso, pode ficar muito embaralhada. Ele pode pensar: devo ou não compartilhar o que tenho com aqueles que estavam comigo e que agora continuam sem ter nada? Isso é meu mesmo? Essas são questões que confundem a mente da pessoa envolvida”.

Quando o assunto é julgamento, a dúvida que permeia é: será que os casos de repercussão nacional são diferenciados na hora da sentença? Para o desembargador Wanderley Salgado, não há distinção entre os acusados famosos ou não. “A repercussão nacional não influencia o magistrado, pois o juiz pauta as decisões no princípio da imparcialidade, do livre convencimento motivado. Em caso de júri popular, em que a sociedade julga através dos sete jurados, esses formam a livre convicção depois de expostas todas as provas dos casos e debates pela acusação e defesa, e em tese são desprovidos de conhecimentos técnicos jurídicos”.

Para dar um exemplo de que o juiz é escravo da lei e que não pode fugir à regra, o desembargador lembra de um caso que aconteceu na década de 90, quando um fazendeiro poderoso pediu toda a sociedade local para que o procurassem, a fim de favorecê-lo em um julgamento. “Na sentença eu disse que em toda minha vida de magistrado este era o processo mais famoso que conheci, porque até na fila da comunhão o padre me pediu para julgar favorável ao réu”, ressalta Wanderley. Porém, o desembargador, na época juiz, julgou improcedente a ação e o condenou. O desembargador citou ao final dessa sentença as quatro características que um juiz precisa ter: “primeiro, ouvir cortesmente; dois, responder sabiamente; três, ponderar prudentemente; e quatro, decidir imparcialmente”.

Porém, existem opiniões contrárias, é o que afirma o professor, Luiz Henrique. “Acredito que casos de repercussão nacional podem se modificar de acordo com a mídia. Muitas pessoas vão para porta de delegacias, assistem a julgamentos e opinam o tempo todo. Surgem piadas grotescas e posições moralistas.”

Apesar da fama não influenciar uma sentença em si, casos como esse exigem uma grande demanda da justiça. Devido ao fato da população e principalmente, a imprensa aguardar uma resposta, o poder judiciário se dedica para ser ágil e eficaz. Um exemplo está no pedido de habeas corpus, que concede liberdade provisória ao indivíduo preso. De acordo com o jornal institucional do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Informativo TJMG, foram ajuizados 39 pedidos de habeas corpus, visando à soltura dos oito envolvidos, sendo que 27 só em favor do ex-goleiro.

Ainda, segundo o Informativo, consta que os desembargadores que julgaram os habeas corpus davam preferência na análise do caso. Geralmente, a decisão era julgada e divulgada em 24 horas. Um dos argumentos alegados pelos magistrados para negar tais pedidos era que os réus, caso soltos, poderiam buscar alterar a prova, frustrá-la ou impedir a produção.

Esse caso mostra que o fato de uma pessoa alcançar status e reconhecimento rapidamente, pode afetar o comportamento consideravelmente, de modo que a estrutura da pessoa é que define como ela vai lidar com a fama. O caso não chegou ao final, mas mesmo que ele não seja condenado, a população se sensibilizou com a história e talvez planos de carreira dele não sejam mais realizados.



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